segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Livro: O SISTEMA DOS OBJETOS

Meus caros, segue algumas partes na integra do livro:  O Ssistema dos Objetos do  Autor: Jean Baudrillarcimd, para conhecimento.

Introdução
Não se trata pois dos objetos definidos segundo sua função, ou segundo as classes em que se poderia subdividi-los  para comodidade da análise, mas dos processos pelos quais as pessoas entram em relação com eles e da sistemática das condutas e da relações humanas que disso resulta. O estudo desse sistema “falado” dos objetos, vale dizer, do sistema de significações mais ou menos coerente que instauram, supõe sempre um plano distinto desse mesmo sistema “falado”, mais rigorosamente estruturado do que ele, um plano estrutural além mesmo da descrição funcional: o plano tecnológico. (Página.11)
Tal plano tecnológico é uma abstração: somos praticamente inconscientes, na vida de todo dia, da realidade tecnológica dos objetos. No entanto, essa abstração é uma realidade fundamental: é ela que dirige as transformações radicais do meio ambiente. Ela vem mesmo a ser, seja dito sem paradoxo, o que há de mais concreto no objeto, pois o processo tecnológico é o mesmo da evolução estrutural objetiva. A rigor, o que acontece ao objetivo no domínio tecnológico é essencial, o que lhe acontece no domínio psicológico ou sociológico das necessidades e das práticas é inessencial. Somos continuamente remetidos, por meio do discurso psicológico sobre o objeto, a um nível mais coerente, sem relação com o discurso individual ou coletivo, e que seria aquele de uma língua tecnológica. É a partir dessa língua, dessa coerência do modelo técnico, que se pode compreender o que corre com os objetivos pelo fato de serem produzidos e consumidos, possuídos e personalizados. (Página.11)
Mas é claro que, para dar conta do sistema cotidiano dos objetos, esta análise tecnológica estrutural é insuficiente. Pode-se sonhar com uma descrição exaustiva dos tecnemas e das suas relações de sentido que bastasse para esgotar o mundo dos objetos reais: mas isto não passa de um sonho. (Página.13)

A.     O Sistema Social Ou O Discurso Objetivo

1. As Estruturas Do Arranjo

O meio ambiente tradicional
A configuração do mobiliário é uma imagem fiel das estruturas familiais e sociais de uma época. O interior burguês típico é de ordem patriarcal: conjunto de sala de jantar, quarto de dormir. Os móveis, diversos na sua função, mas fortemente integrados, gravitam em torno do guarda-louça ou do leito central. Há uma tendência à acumulação e à ocupação do espaço, ao seu confinamento.(Página.21).
Os moveis se contemplam, se oprimem, se enredam em uma unidade que é menos espacial que de ordem moral. (Página 22).
Tudo isto compõe um organismo cuja estrutura é a relação patriarcal de tradição e de autoridade e cujo coração é a complexa relação afetiva que liga todos os seus membros. Este recinto é um espaço específico que tem em pouca conta um arranjo objetivo, pois os móveis e os objetos existem aí primeiro para personificar as relações humanas, povoar o espaço que dividem entre si e possuir uma alma. A dimensão real em que vivem é prisioneira da dimensão moral que têm que significar. Possuem eles tão pouca autonomia neste espaço quanto os diversos membros da família na sociedade. Seres e objetos estão aliás, ligados, extraindo os objetos de tal conluio uma densidade, um valor afetivo que se convencionou chamar sua “presença”. Aquilo que faz a profundidade das casas de infância, sua pregnância na lembrança, é evidentemente esta estrutura complexa de interioridade onde os objetos despenteiam diante de nossos olhos os limites de uma configuração simbólica chamada residência. A censura entre o interior e o exterior, sua oposição formal sob o signo social da propriedade e sob o signo psicológico da imanência da família faz deste espaço tradicional uma transcendência fechada. (Página.22)
A ordem da sala de jantar e do quarto de dormir, esta estrutura mobiliária ligada á estrutura imobiliária da casa  é ainda aquela que a publicidade propaga para um vasto público. (Página.23)
Se tais móveis se vendem não é porque sejam menos caros, é porque trazem em si a certeza oficial do grupo e a sanção burguesa e também porque estes móveis-monumentos (buffet, cama, armário) e sua disposição recíproca respondem a uma persistência das estruturas familiares tradicionais em amplas camadas da sociedade moderna. (Página.23)

O objeto moderno liberto em sua função

Ao mesmo tempo que mudam as relações do indivíduo na família e na sociedade, muda o estilo dos objetos mobiliários. ((Página.23).
A “ausência de estilo” é primeiro ausência de espaço e a funcionalidade maximal uma solução da adversidade onde o domicílio, sem perder seu confinamento, perde a organização interior. (Página.23)
Assim se apresenta o conjunto moderno de série: desestruturado mas não reestruturado: nada vindo compensar o poder de expressão da antiga ordem simbólica. Todavia há progresso: entre o indivíduo e aqueles objetos mais flexíveis no seu uso, que não exercem nem simbolizam mais a coerção moral, a relação é mais liberal: o indivíduo por meio deles não se acha mais estritamente dependente da família. Encontra em sua mobilidade e multifuncionalidade maior liberdade de organização, reflexo de disponibilidade maior em suas relações sociais. Mas isto constitui somente uma espécie de libertação parcial. Ao nível do objeto de série, na ausência de uma reestruturação do espaço, esta evolução “funcional” é somente, para retomar a distinção marxista, uma emancipação, não uma libertação, já que significa apenas a libertação da função do objeto e não do próprio objeto. ((Página.24)
Ora, assim como o objeto é somente libertado em sua função, o homem reciprocamente é libertado somente como usuário deste objeto. Isto mais uma vez é um progresso mas não um momento decisivo. Uma cama é uma cama, uma cadeira é uma cadeira: não há relação entre elas na medida em que servem somente ao que servem. Sem relação não há espaço, pois que o espaço unicamente existe aberto, suscitado, ritmado, alargado por uma correlação de objetos e uma superação da função desses nesta nova estrutura. O espaço é de certa maneira a liberdade formal. A sala de jantar burguesa era estruturada, mas esta era uma estrutura fechada. O ambiente funcional é mais aberto, mais livre, todavia desestruturado, fragmentado em suas diversas funções. Entre os dois, na cesura entre espaço psicológico integrado e espaço funcional fragmentado, os objetos de série movem-se, testemunhas de um e de outro, freqüentemente dentro da moldura de um mesmo interior. (Página.25)

O interior modelo

Os elementos
Estes modelos da vanguarda mobiliária organizam-se segundo uma oposição fundamental: ELEMENTOS/ASSENTOS e o imperativo prático ao qual obedecem é a do ARRANJO ou cálculo sintagmático, o qual vem a se opor, como os assentos aos elementos, o conceito geral de AMBIÊNCIA.(Página.26)
Um confinamento fundamental cessa, paralelamente a uma sensível modificação das estruturas sociais e interpessoais. (Página.27)
As paredes e a luz
Os cômodos e a casa eles próprio ultrapassam a cesura tradicional da parede que fazia da casa espaços-refúgios. Os cômodos abrem-se, tudo se comunica, fragmentam-se em ângulos, em zonas difusas, em setores móveis. (Página.27).

A iluminação
Na mesma ordem de evolução muitos detalhes são significativos: a tendência, por exemplo, a apagar os focos luminosos. (Página.27).
Tudo se passa como se o foco de luz fosse ainda um apelo sobre a origem das coisas. (Página.28)

Espelhos e retratos
Outro sintoma: o desaparecimento do vidro transparente e do espelho. Deveria ser feita uma psicologia do espelho depois de tanta metafísica. (Página.28)
Ainda outra coisa paralela ao espelho desapareceu: o retrato de família, a foto de casamento no quarto de dormir, o retrato do proprietário no salão, de corpo inteiro ou só o busto, o rosto das crianças emoldurado em toda parte. Tudo isto que constitui de certa forma o espelho diairônico da família, desapareceu, em um certo estágio da modernidade, com os espelhos reais. (Página.29).

O relógio e o tempo
Outra miragem desaparecida no interior moderno é a do tempo. Um objeto essencial desapareceu: o relógio ou relógio de pêndulo. (Página.30)
Da mesma forma que a relação com a imagem especular institui um fechamento e como que uma introjeção do espaço, assim também o relógio é paradoxalmente símbolo de permanência e de introjeção do tempo. (Página.30)

A caminho de uma sociologia do arranjo?

Foi toda a concepção da decoração que mudou. Não intervém mais agora o gosto tradicional como de terminação do belo segundo as afinidades secretas. Trata-se de um discurso poético, de uma evocação de objetos fechados que se correspondiam: hoje os objetos não se correspondem mais, comunicam: não têm mais presença singular mas, no melhor dos casos, uma coerência de conjunto feita de sua simplificação como elemento de código e do cálculo de suas relações. Segundo uma combinatória ilimitada, o homem com eles conduz seu discurso estrutural. (Página.31)
Nesta  fase o modo de existência dos objetos “ambientes”  muda totalmente e uma sociologia do móvel sucede uma sociologia do arranjo. (Página.32)

O homem do arranjo

Vemos que tipo novo de habitante se propõe como modelo: O “homem do arranjo” nem é proprietário nem simplesmente usuário e sim um informante ativo da ambiência. Dispõe do espaço como de uma estrutura de repartição e através do controle deste espaço detém todas as possibilidades de relações recíprocas e portanto a totalidade dos papéis que os objetos podem assumir. (Página.32)
O objeto: este figurante humilde e receptivo, esta espécie de escravo psicológico e de confidente tal como foi vivido na cotidianidade tradicional e ilustrado em toda a arte ocidental até os nossos dias, tal objeto refletiu uma ordem total ligada a uma concepção bem definida do cenário e da perspectiva, da substância e da forma. Segundo esta concepção, sua forma é a demarcação absoluta entre o interior e o exterior, é continente fixo, o interior é substância. Os objetos têm assim – os móveis especialmente – além de sua função prática, uma função primordial de vaso, que pertence ao imaginário e a que corresponde sua receptividade psicológica. São portanto o reflexo de toda uma visão do mundo onde cada ser é concebido como um “vaso de interioridade” e as relações como correlações transcendentes das substâncias – sendo a própria casa o equivalente simbólico do corpo humano, cujo poderoso esquema orgânico se generaliza em seguida em um esquema ideal de integração das estruturas sociais. Tudo isto compõe um modo total de vida cuja ordem fundamental é a da Natureza enquanto substância original, da qual provém o valor. Na criação ou fabricação de objetos o homem se faz, pela imposição de uma forma que é cultura, transubstanciador da natureza: é a filiação das substâncias, de idade em idade, de forma em forma, que institui o esquema original de criatividade: criação ab útero, com toda a simbólica poética e metafórica que a acompanha. (Página.33 e 34)
O que entrevemos hoje nos interiores modernos é o fim desta ordem da Natureza, é, através da ruptura da forma, da anulação do limite formal interior-exterior e de toda a complexa dialética do ser e da aparência que a isto se ligava, uma qualidade nova de relação e de responsabilidade objetiva. O projeto vivido de uma sociedade técnica é o questionamento da própria ideia de Gênese. (Página.34)
A organização das coisas, mesmo quando se tem por objetiva na empresa tecnológica, é sempre ao mesmo tempo um registro poderoso de projeção e de bloqueio. (Página.35)

2. As Estruturas De Ambiência

O arranjo, que resume o aspecto organizacional do meio ambiente, não esgota todavia o sistema do interior moderno, que se baseia numa oposição: a do ARRANJO e da AMBIÊNCIA. (Página.37)

Os valores de ambiência: A cor

A cor tradicional
O mundo das cores opõe-se ao dos valores e o elegante é ainda o esmaecimento das aparências em benefício do ser: negro, branco, cinzento, grau zero da cor – é também o paradigma da dignidade, recalque e do standing moral. (Página.38)

A cor natural
Há uma espécie de obscenidade da cor que a modernidade, após havê-la exaltado da mesma maneira que a explosão das formas, parece apreender da mesma maneira que a funcionalidade pura. (Página.39)
Tendo-se começado por transplantar seu domicílio para a Natureza, terminando-se por implantar a domicílio os valores do lazer e da ideia de natureza. Há aí como que uma fuga dos objetos para o lazer: liberdade e irresponsabilidade inscrevem-se a um só tempo na cor e no caráter transitivo e insignificante da matéria e das formas. (Página.41)
A cor “funcional”
Na verdade, não estamos mais lidando exatamente com cores e sim com valores mais abstratos: o tom, a tonalidade. Combinação, harmonização, contraste de tonalidades constituem o verdadeiro problema da ambiência em matéria de cor. (Página.42)

O quente e o frio
A “ambiência repousa, em matéria de cores, sobre o equilíbrio calculado de tons quentes e frios, (Página.43)


Os valores de ambiência: O material

Madeira natural, madeira cultural
O importante é ver, fora das perspectivas imensas que estas matérias novas abriram à prática, em que modificam o “sentido” dos materiais. (Página.45)
Da mesma forma que a passagem às tonalidades (quentes, frias ou intermediárias) significa para as cores um desprendimento de seu estatuto moral e simbólico rumo a uma abstração que torna possível a sistemática e o jogo, assim também a fabricação sintética significa para o material um desprendimento de seu simbolismo natural em direção a um polimorfismo, grau de abstração superior onde se torna possível um jogo de associação universal de matérias e pois uma superação da oposição formal matérias naturais/matérias artificiais: não há mais diferença “de natureza” hoje entre a parede de termovidro e a de madeira, o concreto bruto e o couro; valores “quentes” ou valores “frios” são todos, de igual forma, matérias-elementos. (Página.45).

A lógica da ambiência
Cores, substanciais, volumes, espaço, este “discurso-ambiental” afeta ao mesmo tempo todos os elementos num plano remanejamento sistemático: porque os móveis tornaram-se elementos mutáveis em um espaço descentralizado, porque possuem uma estrutura mais lede de encaixe e de compensado é que requerem ao mesmo tempo madeiras mais “abstratas”: teça, acaju, palissandra ou madeira escandinava. (Página.46)

Um material modelo: o vidro
Um material resume este conceito de ambiência em que se pode ver como que uma função moderna universal do meio ambiente: o VIDRO. Este é, segundo a publicidade, o “material do futuro” que será “transparente” como todos sobem: o vidro é pois ao mesmo tempo o material e o ideal a ser atingido, o fim e o meio. (Página.47)

O homem de relação e de ambiência

A análise das cores e os materiais nos conduz agora a algumas conclusões. A alternância sistemática do quente e do frio define no fundo o próprio conceito de “ambiência” que sempre é a um só tempo calor e distância. O interior de “ambiências” é feito para que atue entre os seres a mesma alternância calor/não-calor, intimidade-distância, existente entre os objetos que o compõem. Amigo ou parente, família ou cliente, uma certa relação é sempre obrigatória, mas deve permanecer móvel e “funcional”: isto é, que a qualquer momento seja possível mas que a sua subjetividade seja determinada: os diversos tipos de relações devem poder permutar livremente. Tal é a relação funcional de onde o desejo acha-se (teoricamente) ausente: acha-se desmobilizado em proveito de uma ambiência. Aí começa a ambigüidade (Página.50)

Os assentos
Os assentos talvez respondam a uma preocupação fundamental: não se estar jamais só, mas nunca mais face a face. Descontração do corpo mas sobretudo retirada do olhar, dimensões perigosa. A sociedade moderna, ao desembaraçar-se amplamente da promiscuidade das funções primárias, denuncia a promiscuidade dos olhares e sua dimensão trágica. (Página.51)

Culturalidade e censura
Não somente para os assentos, mas para todos os objetos, a culturalidade é hoje tão impositiva quanto o cálculo. (Página.52)
Hoje em dia não há mais cama; tornou-se assento, divã, canapé, banqueta, ou então desapareceu embutido, não mais por interdição moral mas sim por abstração lógica. (Página.52)

Os valores de ambiência: O gestual e as formas


Um novo campo operatório
Porque sua energia é abstrata, a funcionalidade dos objetos torna-se ilimitada: assim como quase não há mais substância que não tenha seu equivalente plástico, também não há mais gesto que não tenha seu equivalente técnico. A mecânica mais simples substitui elipticamente uma soma de gestos, com isto concentra eficiência e torna-se independente tanto do operador como da matéria a operar. Forma e uso da ferramenta, matéria, energia investida, todos os termos mudaram. (Página.56)
Da mesma maneira como se estruturam as diversas partes do mecanismo de um objeto, assim também tendem a se organizar entre si, independentemente do homem, os diversos objetos técnicos, remetendo-se uns aos outros na uniformidade de sua práxis simplificada, constituindo-se assim em uma ordem articulada que segue seu próprio modo de evolução tecnológica e onde a responsabilidade do homem se limita a exercer um controle mecânico do qual na sua forma extrema a própria máquina se encarregará. (Página.57)

A miniaturização
No lugar do espaço contínuo mas limitado que os gestos criam ao redor dos objetos para poder usá-los, os objetos técnicos instituem uma extensão descontínua e indefinida. O que regula esta extensão nova, esta dimensão funcional é a coerção da organização maximal, de comunicação otimal. Por isso assistimos, com o progresso tecnológico, a uma miniaturização sempre mais acentuada do objeto técnico. (Página.58)

Estilização – Maneabilidade – Desenvolvimento

A estilização das formas é em toda parte correlativa a esta crescente autonomia do mundo funcional e organização otimal da extensão. As formas tornam-se também mais autônomas, afastam-se sempre mais de uma morfologia do corpo humano e do esforço – todavia de uma maneira ou de outra fazem sempre alusão a eles. Organizam-se livremente, mas sua perdida relação com as funções primárias persiste ainda na abstração de um signo: é a sua conotação. (Página.59)

O fim da dimensão simbólica
De fato, esta realização formal oculta uma carência essencial: pela transitividade universal das formas, nossa civilização técnica tenta compensar o desaparecimento da relação simbólica ligada ao gestual tradicional de trabalho, compensar a irrealidade,o vazio simbólico de nosso poderio. (Página.60)

A abstração do podeiro
Ora, este podeiro técnico não pode mais ser mediatizado: não tem medida comum com o homem e seu corpo. Não pode mais ser simbolizado: as formas funcionais podem somente conotá-lo. Sobressignificam-no na sua coerência absoluta (aerodinamismo, maneabilidade, automatismo, etc.) mas ao mesmo tempo formalizam o vazio que dele nos separa, são como que o ritual moderno de operações miraculosas. Signos de nosso poderio mas ao mesmo tempo testemunhas de nossa irresponsabilidade diante dele. Talvez seja aí que se fala necessário procurar a razão, depois da primeira euforia mecanicista, desta melancólica satisfação técnica, desta angústia particular que nasce com os aspectos miraculosos do objeto, da indiferença forçada, do espetáculo passivo de seu podeiro. A inutilidade de certos gestos habituais, a ruptura de certos ritmos da vida cotidiana fundados sobre os vaivens do corpo têm conseqüências psicológicas profundas. (Página.62)
Em face do objeto funcional o homem torna-se disfuncional, irracional e subjetivo, uma forma vazia e aberta então aos mitos funcionais, às projeções fantasmáticas ligadas a esta estupefaciente eficiência do mundo. (Página.63)

3. Conclusão Naturalidade E Funcionalidade

O sistema funcional caracteriza-se sempre simultaneamente e de forma absolutamente ambígua como:
1º Superação do sistema tradicional sob seus três aspectos: função primária do objeto – impulsos e necessidades primárias – relação simbólica entre um e outro.
2º Negação simultânea destes três aspectos solidários do sistema tradicional. (Página.70)

B.    O Sistema Não-Funcional Ou O Discurso Subjetivo

1.     O Objeto Marginal – O Objeto Antigo

Toda uma categoria de objetos parece escapar ao sistema que acabamos de analisar: são os objetos singulares, barrocos, folclóricos, exóticos, antigos. Parecem contradizer as exigências do cálculo funcional para responder a um propósito de outra ordem: testemunho, lembrança, nostalgia, evasão. Pode-se ser tentado a ver neles uma sobrevivência da ordem tradicional e simbólica. Mas tais objetos, ainda que diferentes, fazem parte eles também da modernidade e dela retiram seu duplo sentido. (Página.81)

Seu valor de ambiência: A Historicidade

Na realidade, não são eles um acidente do sistema: o funcionalidade dos objetos modernos torna-se historicidade do objeto antigo (ou marginalidade do objeto barroco, ou exotismo do objeto primitivo) sem todavia deixar de exercer uma função sistemática de signo. É a conotação “natural”, a “naturalidade” que no fundo culmina nos signos de sistemas culturais anteriores. (Página.82)
O sistema de ambiência é extensivo, mas caso se pretenda total, é preciso que recupere toda a existência, conseqüentemente também a dimensão fundamental do tempo. Não se trata, é claro, do tempo real[12], são os signos, ou indícios culturais do tempo, que são retomados no objeto antigo. Sua presença alegórica não contradiz portanto a organização geral: natureza e tempo, nada lhe escapa, tudo se efetua nos signos. Entretanto, se a natureza se deixa abstrair e sistematizar facilmente, o tempo não. A contradição viva que carrega se integra mal na lógica do sistema. É esta fraqueza “crônica” que percebemos na conotação espetacular do objeto antigo. Enquanto a conotação natural sabe se fazer sutil, a “histórica” é de uma evidência gritante. O objeto antigo tem sempre o ar de estar sobrando. Por belo que seja, permanece “excêntrico”. Por autêntico que seja, tem sempre de certo modo um ar falso. E ele o é na medida em que se faz passar por autêntico em um sistema onde a questão não é mais absolutamente a autenticidade, mas a relação calculada e a abstração do signo. (Página.82 e 83)

Seu valor simbólico: O mito de origem

Existe pois um estatuto particular do objeto antigo. Na medida em que aí se encontra para esconjurar o tempo na ambiência e onde é vivido como signo, não se distingue de não importa qual outro elemento e se acha em relação com todos os outros. Na medida, ao contrário, em que apresenta uma menor dependência para com outros objetos e se dá como totalidade, como presença autêntica, tem um estatuto psicológico especial. É vivido de outra maneira. É quando, não servindo para nada, serve profundamente para qualquer coisa. (Página.83)
A exigência à qual respondam os objetos antigos. é aquela de um ser definitivo, complexo. O tempo do objeto mitológico é o perfeito: ocorre no presente como se tivesse ocorrido outrora e por isso mesmo acha-se fundado sobre si, “autêntico”. (Página.83)
O objeto antigo dá-se portanto como mito de coragem. (Página.84)

A “autenticidade”

A involução para as fontes é evidentemente a regressa para a mãe: quanto mais velhos são os objetos, mais nos aproximam de uma era anterior, da “divindade”, da natureza, dos conhecimentos primitivos etc. (Página.84)

Sicronia, Diacronia, Anacronia

Tais objetos formam, no meio ambiente privado, uma esfera ainda mais privada: são menos objetos de posse que de intercessão simbólica, como os ancestrais – pois os ancestrais são “privadíssimos”. (Página.88)

A projeção inversa: O objeto técnico nos primitivos

Esta coexistência equívoca do moderno funcional e da “decoração” antiga só aparece evidentemente num determinado estágio de desenvolvimento econômico, de produção industrial e de saturação prática do meio ambiente. As camadas sociais menos favorecidas (camponeses, operários), os “primitivos” não têm o que fazer com o velho e aspiram ao funcional. (Página.90)

O mercado do antigo

Em suma: se o prestígio social pode se traduzir de mil maneiras (carro, casa de campo moderna, etc.) por que prefere se fazer significativo por meio do passado? Todo valor adquirido tende a se transformar em valor hereditário, em graça recebida. Mas como o sangue, o nascimento e os títulos perderam valor ideológico, são os signos materiais que vão ter que significar a transcendência: móveis, objetos, jóias, obras de arte de todos os tempos e de todos os lugares. (Página.92)

2. O Sistema Marginal: A Coleção

O objeto abstraído de sua função

A posse jamais é a de um utensílio, pois este me devolve ao mundo, é sempre a de um objeto abstraído de sua função e relacionado ao indivíduo. Neste nível todos os objetos possuídos participam da mesma abstração e remetem uns aos outros na medida em que somente remetem ao indivíduo. Constituem-se pois em sistema graças ao qual o indivíduo tenta reconstituir um mundo, uma totalidade privada. (Página.94)

O mais belo animal doméstico
Sem dúvida os objetos desempenham um papel regulador na vida cotidiana, neles são abolidos muitas neuroses, anuladas muitas tenções e aflições, é isto que lhe dá uma “alma”, é isto o que os torna “nossos”, mas é também isto que faz deles o cenário de uma mitologia tenaz, cenário ideal de um equilíbrio neurótico. (Página.98)

Um jogo serial

A qualidade específica do objeto, seu valor de troca, depende do domínio cultural e social. Sua singularidade absoluta ao contrário lhe vem do fato de ser possuído por mim – o que me permite nele reconhecer-me como ser absolutamente singular. Tautologia majestosa, mas que constitui toda a densidade da relação com os objetos, sua facilidade derrisória, sua ilusória mas intensa gratificação. Melhor ainda: esse circuito fechado pode reger também a relação humana (embora menos facilmente) mas aquilo que é impossível a um nível intersubjetivo é possível aqui: tal objeto jamais se opõe à multiplicação do mesmo processo de projeção narcisista em um número indefinido de objetos, ele ao contrário a impõe, consentindo por este meio em um envolvimento total, em uma totalização de imagens de si, que vem a ser exatamente o milagre da coleção. Pois colecionamos sempre a nós mesmos.
Compreendemos melhor assim a estrutura do sistema possessivo: a coleção é feita de uma sucessão de termos, mas seu termo final é a pessoa do colecionador. Reciprocamente, este se constitui como tal somente ao ser sucessivamente substituído por cada termo da coleção. Nós reencontramos uma estrutura homóloga, no plano sociológico, no sistema do modelo e da série. Aqui como lá constatamos que série ou coleção são constitutivos da posse do objeto, vale dizer, da integração recíproca do objeto e da pessoa. (Página.98 e 99)

O objeto e o tempo: O ciclo dirigido

A problemática temporal é essencial à coleção. (Página.103)
O que o homem encontra nos objetos não é a garantia de sobreviver, é a de viver a partir de então continuamente em uma forma cíclica e controlada o processo de sua existência e de ultrapassar assim simbolicamente esta existência real cujo acontecimento irreversível lhe escapa. (Página.104 e 105)
Praticamos a partir de então na vida cotidiana, graças aos objetos, este trabalho de luto sobre nós mesmos e isso nos permite viver, de forma regressiva certamente, mas viver. O homem que coleciona está morto, mas sobrevive literalmente em uma coleção que, a partir desta vida, repete-o indefinidamente para além da morte, ao integrar a própria morte na série e no ciclo. (Página.105)

O objeto seqüestrado: O ciúme

Se ninguém empresta o carro, a caneta, a mulher, é que esses objetos são, no ciúme, o equivalente narcisista do eu: se este objeto se perde ou se é deteriorado, é a castração. (Página.106)
Esta função ciumenta destaca-se evidentemente de um fundo de decepção absoluta porque a regressão sistemática jamais encobre totalmente a consciência do mundo real e a falência de tal conduta. Dá-se o mesmo com a coleção: sua soberania é frágil, a soberania do mundo real ergue-se por trás dela e a ameaça continuamente. Mas a própria decepção faz parte do sistema. (Página.106)
No sistema do ciúme, não é raro que o indivíduo termine por destruir o objeto ou o ser seqüestrado devido a um sentimento de impossibilidade em conjurar totalmente a adversidade do mundo e de sua própria sexualidade. Acha-se aí o fim lógico e ilógico da paixão. (Página.106 e 107)

O objeto desestruturado: A perversão

Reunidos e combinados, os elementos de um objeto técnico têm implicação coerente. Mas esta estrutura é sempre frágil diante do espírito: acha-se ligada ao exterior pela função, é formal para a pisque. Os elementos estruturalmente hierarquizados podem a qualquer instante se desfazer para adquirirem equivalência em um sistema paradigmático onde o indivíduo se declina. O objeto é antecipadamente descontínuo e facilmente levado à descontinuidade pelo pensamento. Tanto mais facilmente porque o objeto (técnico sobretudo) não se encontra como outrora ligado por um gestual e uma energia humanos. Se o carro constitui em si um objeto de manipulação narcisista tão belo por oposição ao cavalo é porque o domínio que se tem do cavalo é muscular, movimentado, exige um gestual de equilíbrio – enquanto que o do carro ao contrário é simplificado, funcional e abstrato. (Página.110 e 111).

C.    O Sistema Meta E Disfuncional Gadgets E Robôs

A conotação técnica: O automatismo

Se a conotação formal pode ser resumida na MODA, a conotação técnica pode formular-se em uma palavra: AUTOMATISMO – conceito maior do triunfalismo mecanicista e ideal mitológico do objeto moderno. O automatismo é o objeto ao tomar uma conotação absoluta na sua função particular . Conseqüentemente é em toda parte proposto e recebido como modelo técnico. (Página.118)

A transcendência “funcional”

O verdadeiro aperfeiçoamento das máquinas, aquele do qual se pode dizer que eleva o grau de tecnicidade, a verdadeira ‘funcionalidade” portanto, não corresponde a um acréscimo de automação, mas a uma certa margem de indeterminação que permite à máquina ser sensível a uma informação exterior. A máquina de alta tecnicidade é uma estrutura aberta, pois o conjunto das máquinas abertas das máquinas abertas pressupõe o homem como organizador e intérprete vivo. Mas se esta tendência é desmentida a um nível tecnológico elevado é ainda ela que, na prática, orienta os objetos para uma abstração perigosa. O automatismo é rei, e a fascinação que exerce é tão grande precisamente porque não vem a ser a de uma racionalidade técnica: experimentamos como que um desejo fundamental, como que a verdade imaginária do objeto, frente a qual sua estrutura e sua função concreta nos deixam bastante indiferentes. (Página.119)

Aberração funcional: O gadget
O automatismo é somente um desvio técnico, mas abre para o universo inteiro do delírio funcional. Dito de outra forma, todo o campo dos objetos fabricados em que atua a complicação irracional, a obsessão pelo detalhe, o tecnicismo excêntrico e o formalismo gratuito. (Página.121)

Pseudofuncionalidade: O machin

A verdadeira funcionalidade do machin é da ordem do inconsciente: esta a origem da fascinação que exerce. Se é absolutamente funcional, absolutamente adaptado (mas a quê?) é que se adapta a qualquer outra exigência, menos a prática. O mito de uma funcionalidade miraculosa do mundo é correlativa ao fantasma de uma funcionalidade miraculosa do corpo. O esquema de execução técnica do mundo acha-se ligado ao esquema de realização sexual do indivíduo: nesta qualidade, a machin, instrumento por excelência, é fundamentalmente um substituto do falo, meio operatório da função por excelência. Não importa aliás qual objeto seja um pouco machin: na medida em que sua instrumentalidade prática se apaga, ele pode se revestir de uma outra instrumentalidade libidinal. Este é já o caso do brinquedo na criança, de qualquer pedra ou pedaço de madeira para o “primitivo”, da mais insignificante caneta que passa a ser fetiche aos olhos do “não-civilizado”, é também de qualquer mecanismo destituído do primitivo uso ou qualquer objeto antigo, para o “civilizado”.
Não importa em que objeto o princípio de realidade sempre pode ser posto entre parênteses. Basta que a sua prática concreta se perca para que o objeto seja transferido às práticas mentais. Isto é o mesmo que dizer que atrás de cada objeto real existe um objeto sonhado. (Página.125 e 126)
De toda maneira, qualquer que seja o funcionalismo do objeto,nós o experimentamos como NOSSO funcionamento. Qualquer que seja seu modo de eficiência, projetamos-nos nesta eficiência, mesmo que ela seja absurda como no machin. Sobretudo se o for. É a célebre fórmula, mágica e cômica e um só tempo, do “isto aqui ainda pode ter serventia”: se o objeto serve às vezes precisamente para alguma coisa, serve de forma ainda mais freqüente para tudo e para nada e então profundamente a isto: “pode ainda ter serventia”. (Página.127)

Metafuncionalidade: O robô

O limite desta projeção imaginária é o objeto sonhado pela ficção científica, o reino do machin puro. (Página.127)
Nesta qualidade o mito do robô resume todas as vias do inconsciente no domínio do objeto. É um microcosmo simbólico a um só tempo do homem e ao mundo, vale dizer, substituindo-se a um só tempo ao homem e ao mundo. É a síntese entre a funcionalidade absoluta e o absoluto antropomorfismo. O aparelho eletrodoméstico (“robô-maria”) vem a ser o seu precursor. Por esta razão o robô é no fundo apenas o resultado mitológico de uma fase ingênua do imaginário: aquela da projeção de uma funcionalidade contínua e visível. (Página.128)
Se o robô é para o inconsciente o objeto ideal que os resume a todos,não o é simplesmente porque seja o simulacro do homem na sua eficiência funcional, é que, sendo tudo isto, não o é de forma bastante perfeita para ser o duplo do homem, pois que permanece, embora sendo o homem, visivelmente um objeto, e por este meio um escravo. (Página.129)
Se o robô é escravo, o tema do escravo acha-se sempre ligado, até na lenda do aprendiz de feiticeiro, ao da revolta. A revolta do robô, sob qualquer forma que seja, não é rara nas narrativas de ficção científica. Nelas está sempre implícita. O robô e com o escravo, ao mesmo tempo muito bom e muito pérfido, muito bom como a força que se aprisiona, muito mau como aquela que se liberta. Ora, o homem, como o aprendiz de feiticeiro, tem boas razões para temer a ressurreição desta força que conjurou ou aprisionou à sua imagem. Pois tal força é sua própria é sua própria sexualidade que então se volta contra ele e da qual tem, medo. Libertada, fora dos grilhões, revoltada, a sexualidade torna-se a inimiga mortal do homem: é isto que manifestam as múltiplas e imprevisíveis reviravoltas dos robôs, sua mutação maléfica ou simplesmente a angústia desta conversação brutal sempre possível. O homem é então alvo das suas próprias forças mais profundas e se vê frente a frente com seu duplo, dotado de sua própria energia, da qual se diz na lenda que a aparição significa a morte. Insurreição na revolta das energias fálicas subjugadas, tal é o sentido da perfídia mecânica dos robôs (tudo isso significando a alteração funcional da ambiência). Neste momento intervêm nas narrativas duas soluções: ou o homem doma as forças “malévolas”, e tudo volta à ordem “moral” – ou então as forças encarnadas no robô destroem-se a si próprias, impelindo o automatismo até o suicídio. O tema do robô que se desarranja, da autodestruição do robô, é também corrente na ficção científica e corolário daquele da revolta. (Página.130)

A técnica e o sistema inconsciente

Se conotação e personalização, modo e automatismo convergem para os elementos inestruturais dos quais se apodera a produção para com eles sistematizar a motivação irracional, é possível também que não haja no homem nem vontade firme nem possibilidade de ultrapassar estas estruturas arcaicas de projeção – que haja ao menos uma resistência profunda em sacrificar as virtualidades subjetivas, projetivas e sua recorrência indefinida, em benefício de uma evolução estrutural concreta (técnica e social a um só tempo) – mais simplesmente que haja resistência profunda em substituir por uma racionalidade a finalidade contingente das necessidades. Talvez aí exista um incidente fatal no modo de existência dos objetos e das próprias sociedades. A partir de um certo limiar de evolução técnica e na medida em que as necessidades primárias são satisfeitas, temos talvez tanto ou mais necessidade desta comestibilidade fantasmática, alegórica, subconsciente do objeto que de sua verdadeira funcionalidade. (Página.137)
Nossa civilização “técnica”, tal como se pode pressenti-la através do modelo americano, é a um só tempo um mundo sistemático e frágil. O sistema dos objetos ilustra esta sistemática da fragilidade, da efemeridade, da recorrência cada vez mais breve e da compulsão de repetição. Da satisfação e da decepção. Da conjuração problemática dos verdadeiros conflitos que ameaçam as relações individuais e sociais. Pela primeira vez na história, nós nos encontraríamos, com a sociedade de consumo, diante de uma tentativa organizada, irreversível, de saturação e de integração da sociedade em um sistema insubstituível de objetos que por toda a parte tomaria o lugar de uma interação aberta das forças naturais, das necessidades e das técnicas – e cujo motor principal seria a mortalidade oficial, imposta, organizada dos objetos – gigantesco happening coletivo em que a própria morte do grupo é celebrada na destruição eufórica, no devoramento ritual de objetos e de gestos Ainda uma vez pode-se pensar que exista aí somente uma doença infantil da sociedade tecnicista e vincular essas crises de crescimento apenas à disfuncionalidade das estruturas sociais atuais (a ordem de produção capitalista). Neste caso fica salva a longo prazo a possibilidade de uma superação do conjunto do sistema. Mas se existe aí outra coisa além de uma finalidade anárquica da produção a serviço de uma exploração social, se existe ai incidência de conflitos mais profundos, estes muito individuais, mas refletidos e ampliados em escala coletiva, então a esperança em uma transparência está perdida para sempre. Crises de crescimento de uma sociedade por outro lado prometida para o melhor dos mundos ou regressão organizada diante dos conflitos insolúveis? Anarquia da produção ou instinto de morte? O que é que transtorna uma civilização? A questão permanece aberta. (Página.140 e 141)

D.    O Sistema Sócio-Ideológico Dos Objetos E Do Consumo

1. Modelos e Séries

O objeto pré-industrial e o modelo industrial

O estatuto do objeto moderno é dominado pela oposição MODELO/SÈRIE. Em uma certa medida esta oposição sempre se deu. Uma minoria privilegiada da sociedade tem sempre servido de campo de experiência a estilos sucessivos cujas soluções, métodos e também artifícios são em seguida difundidos pelo artesanato local. Contudo não se pode propriamente falar antes da era industrial de “modelo” nem de “série”. De um lado a homogeneidade é maior entre os objetos na sociedade pré-industrial, porque em seu modo de produção permanece em toda a parte o trabalho à mão, porque são menos especializados na sua função e o leque cultural das formas é menos vasto (há pouca referência às culturas anteriores ou externas) – de outro lado a segregação é maior que um setor de objetos que pode se prevalecer do “estilo” e a produção local que tem somente restrito valor de uso. (Página.145 e 146)
Reciprocamente, os modelos não se restringem mais a uma existência de casa, mas se abrem, inserindo-se na produção industrial, à difusão serial. Propõem-se, eles também, como “funcionais” (o que jamais teria feito um móvel “de estilo”) e acessíveis a todos por direito. E cada um, através do mais humilde objeto, participa por direito do modelo. Há aliás cada vez menos modelos ou série puros. As transições de um a outro vão com isso se diferenciando ao infinito. (Página.147)

O objeto “personalizado”

A dinâmica psicossociológica do modelo e da série não atua pois ao nível da função primária do objeto, mas ao nível de uma função segunda que é a do objeto “personalizado”. Vale dizer, fundado a um só tempo na exigência individual e em um sistema de diferenças que vem a ser justamente o sistema cultural. (Página.149)
Por bem ou por mal, a liberdade que temos que temos que escolher nos constrange a entrar em um sistema cultural. Esta escolha é pois especiosa: se a experimentos como liberdade, sentimos menos que nos é imposta como tal e que através dela é a sociedade global que se impõe a nós. Escolher tal carro de preferência a outro a outro talvez personalize você, mas é sobretudo o fato de escolher que o insere no conjunto da ordem econômica. (Página.149)
A diferença marginal
O corolário do fato de que todo objeto nos chega em nome: e uma escolha é a circunstância de que no fundo nenhum objeto se propõem com objeto de série e sim todos como modelos. O menor objeto se distinguirá dos outros por alguma diferença: cor, acessório, detalhe. (Página.150)
O automóvel na qualidade de objeto técnico essencial não pode ser personalizado, só os aspectos inessenciais é que o podem. (Página.150)

A idealidade do modelo

Como se mobiliza este sistema de personalização e integração? Pela circunstância de que, na diferença “específica”, a realidade serial do objeto acha-se continuamente negada e condenada em benefício do modelo. (Página.151)
É essencial que o modelo seja apenas a idéia do modelo. É que o lhe permite estar presente por toda a parte em cada diferença relativa e integrar assim toda a série. (Página.152)
O modelo não é nem pobre nem tico: é uma imagem genérica, feita da assunção imaginária de todas as diferenças relativas e cuja fascinação reside no próprio movimento que leva a série a se negar de uma diferença a outra, a de uma substituição indefinida – idealização formal da superação. É todo o processo evolutivo da série que se acha integrado e invertido no modelo. (Página.152)

Do modelo à série

O deficit técnico
De todas as servidões que afetam o objeto de série, a mais evidente é aquela que concerne à sua durabilidade e à sua qualidade técnica. Os imperativos da personalização conjugando-se aos da produção fazem com que prolifere o acessório às custas do estrito valor de uso. Todas as inovações e os jogos da moda desde logo terminam o objeto mais frágil e mais efêmero. (Página.153)
A série é mantida à força em uma sintonia breve, em um universo perecível. NÃO É PRECISO QUE O OBJETO ESCAPE DA MORTE. Ao jogo normal do progresso técnico, que tenderia a absorver esta mortalidade do objeto, opõe-se a estratégia da produção que é empregada para alimentá-lo. (Página.154)
Quando ao modelo, tem ele direito à duração (relativa, pois acha-se também empenhado no ciclo acelerado dos objetos). Tem direito à solidez e à “lealdade”. Paradoxalmente prevalece hoje em um domínio que parece tradicionalmente reservado à série, e que é o valor de uso. Esta primazia se junta àquela da moda, as qualidades técnicas às qualidades de forma para constituir a “funcionalidade” superior do modelo. (Página.155)

O deficit de “estilo”
Paralelamente, quando se passa do modelo à série, as qualidades sensíveis do objeto diminuem ao mesmo tempo que as qualidades técnicas. (Página.155)
Com a matéria, é o peso, a resistência, o grão, o “calor”, cuja desaparição em proporções variáveis marca a diferença. São os valores de contato, próximos das qualidades profundas que distinguem nitidamente o modelo, - os valores visuais de cor e de forma tendem mais facilmente a se transpor para a série porque se prestam melhor ao jogo de diferenciação marginal. (Página.155)
Contudo, deve ficar entendido que nem a forma nem a cor passam intactas para a série. O acabamento fala, a invenção: mesmo fielmente transpostas, as formas são sutilmente privadas de sua originalidade. O que falta à série não é pois tanto a matéria quanto uma certa coerência da matéria e da forma que constitui o caráter acabado do modelo. Esta coerência ou conjunto de relações necessárias é destruída em benefício do jogo diferencial das formas, das cores ou dos acessórios. (Página.155)
O modelo tem uma harmonia, uma unidade, uma homogeneidade, uma coerência de espaço, de forma, de substância, de função – é uma sintaxe. O objeto de série é apenas justaposição, combinação fortuita, discurso inarticulado. Destotalizado, não é mais que soma de detalhes que levam mecanicamente às séries paralelas. (Página.156)

O privilégio da atualidade
Não mobiliário, aquilo que se constitui objeto de grande difusão é o que foi a moda de alguns anos ou de uma geração anterior. O tempo da série é o do lustro precedente: assim a maior das pessoas vive em matéria de móveis em um tempo que não é o seu, que é o da generalidade, da insignificância, do que não é nem moderno nem ainda antigo e sem dúvida jamais o virá a ser e que corresponde no tempo ao conceito impessoal de subúrbio no espaço. No fundo a série não representa unicamente em relação ao modelo a perda da singularidade, do estilo, da nuança, da autenticidade, representa a perda da dimensão real do tempo – pertence a uma espécie de setor vazio da cotidianidade, dimensão negativa, alimentada mecanicamente pela dessuetude dos modelos. Pois unicamente os modelos mudam: as séries apenas se sucedem atrás de um modelo que sempre escapa mais além. É o que constitui sua verdadeira irrealidade. (Página.160)

A desventura do indivíduo
Tal é a função ideológica do sistema: a promoção estatutária nela é somente simulada uma vez que todas as diferenças são antecipadamente integradas. A própria decepção que penetra o conjunto é integrada pela fuga antes do sistema.
Pode-se falar de alienação? No seu conjunto, o sistema da personalização dirigida é vivido pela imensa maioria dos consumidores como liberdade. É somente para o olhar crítico que esta liberdade pode aparecer como formal, e a personalização no fundo como uma desventura do indivíduo. (Página.161)
Se a exigência por valor pessoal é tão profunda que, à falta de outra coisa, encarna-se em um objeto “personalizado”, como recusar este movimento e em nome de que essência “autêntica” do valor? (Página.161)

Ideologia dos modelos
Este sistema se apóia numa ideologia democrática: pretende ser a dimensão de um processo social: possibilidade para todos de ter acesso pouco a pouco aos modelos,a ascendência sociológica contínua que traria, uma após outra, todas as camadas da sociedade para o maior luxo material e, de diferença em diferença “personalizada”, para mais perto do modelo absoluto. (Página.162)

2.     O Crédito

Direitos e deveres do cidadão consumidor

O sistema do crédito não afeta em direito o objeto de série mais que o modelo e nada o impede de comprar um Jaguar a prestações. É contudo um fato e quase uma lei costumeira que o modelo de luxo se compra à vista e que o objeto comprado a crédito tem bem poucas probabilidades de ser um modelo. (Página.166)
Um certo pudor há longo tempo pressentiu no crédito algum perigo moral e enfileirou a compra à vista no rol das virtudes burguesas. (Página.166)
Dimensão da promoção social é também a da aspiração desvantajosa. Achamo-nos continuamente em atraso com relação a nossos objetos. Estão eles aí e encontram-se já um ano à frente, na última prestação que os saldará ou no próximo modelo que os substituíra. O crédito não faz mais do que transpor para a ordem econômica uma situação psicológica fundamental: a pressão de sucessão é a mesma, econômica na ordem do vencimento das prestações, psicossociológica na sucessão sistemática e acelerada das séries e dos modelos – de qualquer maneira vivemos nossos objetos pelo modo de temporalidade imposta, hipotecada. (Página.167)

A precedência do consumo: Uma ética nova

Pensemos que se, durante séculos, foram os homens cujas gerações sucederam-se em um cenário estável de objetos, que sobreviveram a eles, hoje são as gerações de objetos que se sucedem a um ritmo acelerado em uma mesma existência individual. Se antes, era o homem que impunha seu ritmo aos objetos, hoje são os objetos que impõem seus ritmos descontínuos aos homens, sua maneira descontinua e súbita de se apresentarem, de se alterarem ou de substituírem-se uns aos outros sem envelhecer. O estatuto de uma civilização inteira muda desta forma com o modo de presença e de fruição dos objetos cotidianos. (Página.169)
A forma de viver na medida de seus meios, gerações inteiras terminaram por viver bem abaixo de sues meios. Trabalho, mérito, acumulação, todas estas virtudes de uma era que culmina no conceito de propriedade são inda sensíveis nos objetos que as testemunham e com que as gerações perdidas assombram os interiores pequeno-burgueses. (Página.169)

A coerção da compra

Hoje, uma nova moral nasceu: precedência do consumo sobre a acumulação, fuga para a frente, investimento forçado, consumo acelerado, inflação crônica (torna-se absurdo economizar); todo o sistema resulta disto, em que se compra primeiro para em seguida se resgatar o compromisso por meio do trabalho. Volta-se assim, com o crédito, a uma situação propriamente feudal, a de uma fração de trabalho devida antecipadamente ao senhor, ao trabalho escravo. Contudo, à diferença do sistema feudal, o nosso atua através de uma cumplicidade; o consumidor moderno integra e assume espontaneamente esta obrigação sem fim: comprar a fim de que a sociedade continue a produzir, a fim de se poder pegar aquilo que foi comprado. (Página. 169 e 170)

O milagre da compra

Comprar a crédito equivale à apropriação total de um objeto por uma fração do seu valor real. Um investimento mínimo para um lucro grandioso. As prestações se esfumam no futuro, o objeto é como que adquirido ao preço de um gesto simbólico. Este processo assemelha-se ao do mitômano: ao preço de uma história imaginária o mitômano obtém do interlocutor uma consideração desproporcional. (Página.170)
A fuga para frente é a regra desta ordem de comportamento e o traço mais admirável nos dois casos é que não há nunca possibilidade de conclusão: nem com o mitômano entre a estória que narra e o fracasso que experimenta (ele não teria disso qualquer lição de realidade), nem com o comprador a crédito entre sua mágica liberalidade da compra e os vencimentos que é preciso pagar em seguida. O sistema do crédito coloca aqui um máximo à irresponsabilidade do homem frente a si mesmo: aquele que compra aliena aquele que paga, trata-se do mesmo homem mas o sistema, pelo seu desnível no tempo, faz com que não se tenha consciência disso. (Página.171)

Ambigüidade do objeto doméstico

É no limite absurdo do crédito, no caso por exemplo em que o vencimento das prestações imobiliza o carro por falta de gasolina, quer dizer no ponto limite em que o projeto humano, filtrado e dividido pela coerção econômica, devora-se a si mesmo, é então que aparece uma verdade fundamental da ordem atual, que é a de que os objetos não existem absolutamente com a finalidade de serem possuídos e usados mas sim unicamente com a de serem produzidos e comprados. Em outros termos, eles não se estruturam em função das necessidades nem de uma organização mais racional do mundo, mas se sistematizam em função exclusiva de uma ordem de produção e de integração ideológica. (Página.172)

3.     A Publicidade

A lógica do Papai Noel

Nem o discurso retórico, nem mesmo o discurso informativo sobre as virtudes do produto têm efeito decisivo sobre o computador. O indivíduo é sensível à temática latente de proteção e de gratificação, ao cuidado que “se” tem de solicitá-lo e persuadi-lo, ao signo, ilegível à consciência, de em alguma parte existir alguma instância (no caso, social, mas que remete diretamente à imagem da mãe) que aceita informá-los a seus próprios desejos, preveni-los e racionalizá-los a seus próprios olhos. (Página.176)

A instância maternal: A poltrona Airborne

O que a publicidade acrescenta aos objetos, sem o que “eles não seriam o que são” – é o “calor”. (Página.180)

O festival do poder de compra
Festa, imanência, positividade, é o mesmo que dizer que a publicidade é antes consumida do que destinada a dirigir o consumo. (Página.182)

Gratificação e repressão: A dupla instância
A persuasão, como diz Packard, faz-se clandestina, mas não visa tanto á “compulsão” de compra e ao condicionamento pelos objetos, quanto à adesão ao consenso social que este discurso sugere: o objeto é um serviço, é uma relação pessoal entre você e a sociedade. (Página.184)

Um novo humanismo?

A liberdade à revelia

Em uma sociedade melhor integrada, os indivíduos não rivalizam mais pela posse de bens, realizam-se cada um por si no consumo. O leit-motiv não é mais aquela da concorrência seletiva, é o da personalização para todos. Ao mesmo tempo, a publicidade passou de uma prática comercial a uma teoria da praxis de consumo, teoria que coroa o edifício inteiro da sociedade. (Página.193)
“Livre para ser ele mesmo” significa claramente: livre para projetar seus desejos nos bens de produção. “Livre para gozar plenamente a vida...” significa: livre para ser irracional e regressivo e para adaptar-se assim a uma determinada ordem social de produção. Esta “filosofia” da venda pouco se embaraça com o paradoxo: pretende possuir um alvo racional (esclarecer as pessoas sobre aquilo que querem) e métodos científicos a fim de promover no homem um comportamento irracional (aceitar ser apenas um complexo de pulsões imediatas e satisfazer-se com a sua satisfação). Aliás mesmo as pulsões são perigosas e os neo-feiticeiros do consumo evitam libertar o homem segundo um objeto explosivo da felicidade. Concedem somente uma solução para as tensões, ou seja, uma liberdade à revelia: “Toda vez que se cria alguma diferença de tensão que, engendrando um sentimento de frustração, conduz à ação, pode-se esperar que algum produto suprimirá tal tensão ao responder às aspirações de algum grupo. (Página.195)
A moral tradicional apenas impunha ao indivíduo ser conforme o grupo, a publicidade “filosófica” lhe impõe de hoje em diante que seja conforme a si mesmo, que resolva seus conflitos: ela o investe moralmente como jamais a fora antes. Tabus, angústias, neuroses que fazem do indivíduo um marginal, um fora-da-lei, serão suprimidas ao preço de uma tranqüilizadora regressão aos objetos, o que reforçará de todos os lados as imagens do Pai e da Mãe. A irracionalidade cada vez mais “livre’ das pulsões na base irá a par de um controle cada vez mais estrito no vértice. (Página.195)

Uma nova linguagem?

Estrutura e decupagem: a marca.
O conceito de “marca” – conceito cardeal da publicidade – resume bastante bem as possibilidades de uma “linguagem” do consumo. Todos os produtos (salvo a alimentação perecível) se propõem hoje sob uma sigla imposta: cada produto “digno desse nome” tem uma marca (que por vezes chega mesmo a substituir o nome da coisa: frigidaire). A função da marca é indicar o produto, sua função segunda é mobilizar as conotações afetivas: “Na nossa economia fortemente competitiva, poucos produtos conservam por longo tempo uma superioridade técnica. É preciso lhes dar ressonâncias que os individualizem, dotar-lhes de associações e de imagens, dar-lhes significações em numerosos níveis, se quisermos que se vendam bem e suscitam apegos afetivos expressos pela fidelidade a uma marca” (Martineau, op. Cit., p. 75). (Página.200)

Conclusão: Rumo A Uma Definição Do “Consumo”

Pode-se com efeito conceder o consumo como uma modalidade característica de nossa civilização industrial – com a condição de o desembaraçar de uma vez por todas de sua acepção corrente: a de um processo de satisfação das necessidades. O consumo não é este modo passivo de absorção e de apropriação que se opõe ao modo ativo da produção para que sejam confrontados os esquemas ingênuos de comportamento (e de alienação). È preciso que fique claramente estabelecido desde o inicio que o consumo é um modo ativo de relação (não apenas com os objetos mas com a coletividade e com o mundo), um modo de atividade sistemática e de resposta global no qual se funda todo nosso sistema cultural.
É preciso estabelecer claramente que não são os objetos e os produtos materiais que são objeto de consumo: estes são apenas objeto da necessidade e da satisfação. (Página.205 e 206)
O consumo não é nem uma prática material, nem uma fenomenologia da “abundância”, não se define nem pelo alimento que se digere, nem pelo vestuário que se veste, nem pelo carro que se usa, nem pela substância oral e visual das imagens e mensagens, mas pela organização de tudo isto em substância significante; é ele a totalidade virtual de todos os objetos e mensagens constituídos de agora então em um discurso cada vez mais coerente. O consumo, pelo fato de possuir um sentido, é uma atividade de manipulação sistemática de signos. (Página.206)
Para torna-se objeto de consumo é preciso que o objeto se torne signo, quer dizer, exterior de alguma forma a uma relação da qual apenas significa – portanto arbitrário e não coerente com esta relação concreta mas adquirindo coerência e conseqüentemente sentido em uma relação abstrata e sistemática com todos os outros objetos-signos. É então que ele se “personaliza”, que entra na série, etc: é consumido – jamais na sua materialidade mas na sua diferença.
Esta conversão do objeto para um estatuto sistemático de signo implica uma modificação simultânea de relação humana, que se faz relação de consumo, vale dizer, que tende a se consumir (no duplo sentido da palavra de se “efetuar” e de se “suprimir”) nos e pelos objetos, os quais passam a ser a sua mediação obrigatória e, rapidamente, o signo substitutivo, o alibi. (Página.207)
Divã de couro, eletrola, bibelôs, cinzeiros de jade: é a idéia da relação que se faz significativa nesses objetos, “consome-se” neles e portanto neles se anula enquanto relação vivida.
Isto define o consumo como uma prática idealista total, sistemática, que ultrapasse de longe a relação com os objetos e a relação interindividual para se estender a todos os registros da história, da comunicação e da cultura. Assim a exigência de cultura é viva: mas no livro de luxo ou no cromo da sala de jantar é só a idéia que é consumida. A exigência revolucionária é viva, mas impossibilitada de se realizar na prática é consumida na idéia da Revolução.Página.209)